Introdução

     Ao tratarmos da Responsabilidade do Sócio de Sociedade Empresária por Dano Ambiental, estamos, pragmaticamente, abordando duas diferentes questões de extrema relevância para a nossa sociedade: (i) a necessidade de se preservar o meio ambiente, visando manter um habitat ideal para os seres humanos; e (ii) a preservação da distinção patrimonial e obrigacional entre a pessoa jurídica e seus sócios, em respeito ao princípio da autonomia patrimonial.

     Dessa forma, abordaremos isoladamente os institutos jurídicos que envolvem o citado tema, para posteriormente concluir a questão com as situações em que os sócios poderão ser responsabilizados pelos danos causados ao meio ambiente.

Das Sociedades Empresárias Como Pessoas Jurídicas

     Ao analisarmos as sociedades empresárias como pessoas jurídicas sob a óticas da Teoria Normativa, temos que estabelecer que a ideia da “pessoa jurídica” advém da necessidade de distinguir, de um lado, a figura do “conjunto de bens e direitos” e, de outro, aqueles responsáveis por sua união, os sócios. Nesse sentido, o citado conjunto de bens passa a ser considerado um “sujeito de direito”, ou seja, alguém capaz de assumir obrigações e titular direitos.

     Uma vez estabelecido o que é um sujeito de direito, conforme acima, faz-se necessário distinguir a extensão dos direitos dentre os diferentes tipos de sujeitos, sob a ótica da capacidade, uma vez que o conceito de Sujeito de Direito é maior que o conceito de Pessoa. Existem sujeitos de direito que são dotados de personalidade jurídica e outros desprovidos de tal característica, estes últimos denominados como “despersonalizados”. A característica fundamental que diferencia os sujeitos dotados de personalidade, dos sujeitos despersonalizados, é a autorização para a pratica dos atos da vida civil, ou seja, podem realizar negócios jurídicos, por exemplo.

Com base nas duas distinções apresentadas acima, podemos identificar a existência de quatro tipos de sujeitos de direito, se considerarmos os pontos de vista dos sujeitos naturais e dos sujeitos personalizados: (a) sujeito de direito natural e personalizado – pessoa física; (b) sujeitos de direito natural e despersonalizado – nascituro; (c) sujeito de direito inanimado e personalizado – pessoa jurídica; e (d) sujeito de direito inanimado e despersonalizado – condomínio, fundos de investimento, etc.

     Dessa forma, definimos pessoa jurídica como os sujeitos de direito inanimados (dependem de outrem para exercerem seus direitos), dotados de personalidade jurídica, ou seja, capazes para a pratica de qualquer ato, com exceção àqueles vedados pela Lei.

     Por fim, afunilamos um pouco mais o nosso foco, ao caracterizar, dentro das pessoas jurídicas, as sociedades empresárias como aquela que explora a empresa para auferir lucro, ou seja, promove a organização de bens e direitos de uma forma mais robusta, visando a produção de bens e serviços. Dessa forma, realizadas tais distinções, podemos chegar a um conceito objetivo de Sociedade Empresária, qual seja: A Sociedade Empresária é um sujeito de direito inanimado, dotado de personalidade e regido pelo direito privado, visando auferir vantagem econômica – lucro – através da exploração da empresa.

Levando em conta o tema deste artigo, destacamos que o fato da sociedade empresária ser dotada de personalidade jurídica, nos traz condições de visualizar a segregação entre as obrigações de responsabilidade da sociedade e aquelas que são de responsabilidade de seus sócios, razão pela qual destacamos as três consequências elencadas pela doutrina, que advêm da personificação das sociedades: (a) titularidade obrigacional; (b) titularidade processual; e (c) responsabilidade patrimonial.

     Das três consequências, a que nos traz mais relevância é a “responsabilidade patrimonial”, a qual estabelece a regra de que os bens da sociedade (corpóreos e incorpóreos) são das sociedades, não se confundindo com o patrimônio de seus sócios. Dessa forma, o patrimônio da sociedade e dos sócios são distintos, inconfundíveis e incomunicáveis, motivo que determina que o patrimônio de um sócio não pode responder por uma obrigação contraída pela sociedade, sendo esta regra traduzida pelo Princípio da Autonomia Patrimonial.

Da Relativização do Princípio da Autonomia Patrimonial

     Apesar do até então exposto, o Princípio da Autonomia Patrimonial não deve ser entendido de maneira absoluta, existindo situações em que são possíveis a sua flexibilização, como por exemplo quando da desvirtuação da sociedade na sua utilização para a realização de fraudes, ou devido à natureza das obrigações da sociedade.

     Na primeira situação, temos a sua previsão descrita no artigo 50 do Código Civil, o qual em suma dispõe que em sendo utilizada a personalidade jurídica com o fim de abusar de suas prerrogativas, através do seu desvio de finalidade e/ou com o fim de possibilitar a blindagem patrimonial de seus sócios, poderá o juiz decretar a desconsideração da personalidade jurídica, fazendo com que o patrimônio dos sócios responda pelas obrigações não adimplidas da sociedade.

     Na segunda hipótese, não temos previsão expressa no código civil, entretanto a legislação esparsa (consumidor, tributária, trabalhista, etc.) possibilita o entendimento de que, de acordo com a natureza da obrigação da sociedade, a personificação da sociedade pode ser desprestigiada. Isso ocorre porque, diferentemente das situações normais das relações mercantis das sociedades, onde as partes contratante tem conhecimento da segregação entre o patrimônio das sociedades e o de seus sócios, existem situações em que os credores da sociedade não tiveram a possibilidade de optar por figurar no polo ativo de tais obrigações. Ou seja, em uma relação de compra e venda entre duas empresas, ambas as empresas têm conhecimento da distinção patrimonial existente, podendo auditar a parte contrária e tomar a decisão de contratar ou não com tal empresa, porém na hipótese de uma empresa realizar um ato ilícito que cause danos a terceiros, o qual gere o dever de indenizar, estes terceiros sequer tiverem a opção de escolher manter uma relação jurídica com o causador do dano. Tais obrigações, as quais os credores não tiveram a possibilidade de optar por compor o polo passivo, são denominadas como não negociáveis, tendo seus exemplos estabelecidos na legislação esparsa de diferentes Ramos do Direito (art. 28 caput e parágrafo quinto da lei 8.078/90; art. 4º da Lei 9.605/98).

     Cabe ressaltar que, no Código Civil temos a disposição do artigo 1.024, o qual determina que a satisfação de dívida da sociedade empresária somente alcançará os bens dos sócios, uma vez que a sociedade tenha exaurido os seus bens.

Do Meio Ambiente e Sua Proteção

      O Brasil, em 1981, pela Lei 6.938, consagrou a proteção ao meio ambiente (“Lei da Política Nacional do Meio Ambiente”), materializando a proteção aos direitos individuais e coletivos, sendo, tal materialização, ratificada pela Constituição Federal de 1988 seu artigo 225 (Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.), normatizando, dessa forma, a proteção ao meio ambiente e estabelecendo-o como um dos pilares centrais da nossa sociedade.

     Nesse ponto, importante conceituarmos o meio ambiente, com base nas disposições estabelecidas pela Constituição e pela Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, como sendo “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Dessa forma, é possível perceber a abrangência dada pelo legislador ao bem protegido, não pretendendo apenas proteger a fauna, a flora e as condições básicas de sobrevivência do homem, mas sim, todos os aspectos que possibilitaram, possibilitam e possibilitarão a manutenção da vida lato sensu.

     Por este raciocínio, podemos visualizar a preocupação em manter todos os ecossistemas existentes em todos os seus aspectos, como por exemplo, deste as condições geográficas que tornam possível a existência e surgimento de uma vida em uma caverna, assim como a manutenção de um determinado PH essencial para a sobrevivência de determinada bactéria que inicia uma cadeia alimentar. Cabe ressaltar para fins exemplificativos que, se durante as pesquisas para o desenvolvimento de um alimento transgênico uma determinada sociedade empresária causa danos a um ecossistema local, em função de atributos contidos em tal alimento e inerentes ao seu desenvolvimento, tal fato será considerado como causador de dano ambiental.

     Adicionalmente, cumpre salientar Princípio de suma relevância para o presente tema, estabelecido no parágrafo 3º do artigo 225, o qual determina a responsabilidade criminal, tributária e civil àquele que causar dano ou degradação ao meio ambiente, conforme segue (As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados) – Princípio do Poluidor Pagador.

     O Princípio do Poluidor Pagador, em suma, é a previsão constitucional para a aplicação das medidas de caráter reparador aos danos causados ao meio ambiente, dentro da esfera civil, conforme veremos a seguir ao tratar da responsabilidade civil pelo dano ambiental.

Da Responsabilidade Civil Pelo Dano Ambiental

     Inicialmente, como a própria temática solicita, passaremos em dois breves parágrafos a explicação do conceito de responsabilidade civil, seguindo pela distinção da responsabilidade civil objetiva e subjetiva. A responsabilidade civil traduz a ideia de reparação do dano causado a outrem, seja por ato próprio, seja por ato cuja responsabilidade possa se atribuir ao causador.

     A responsabilidade poderá ser objetiva ou subjetiva. Ao falarmos da responsabilidade subjetiva, estamos diretamente vinculados à necessidade da existência de culpa (imprudência, imperícia ou negligência) ou dolo do causador do dano, para então ser constatado o dever de reparação. No que tange à responsabilidade objetiva, trabalhamos no Direito Brasileiro com a teoria do risco, a qual se funda na ideia de que aquele que assume determinada conduta a qual pode resultar em danos a terceiros, assume o risco de reparar tais danos casos estes sejam causados, ainda que não exista indícios de sua culpabilidade, mas apenas o nexo entre o ato praticado e o resultado.

     Como exemplo de responsabilidade civil objetiva, temos o parágrafo único do artigo 14 da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, o qual ao tratar da responsabilização e reparação dos danos causados menciona em sua redação “independentemente da existência de culpa”, impondo a responsabilidade objetiva dos danos ambientais causados. Tal entendimento foi ratificado pelo artigo 225 da Constituição Federal, o qual não faz qualquer distinção ou valoração de culpabilidade.

     Dessa forma, sempre que trabalharmos com responsabilidade civil ambiental, trabalharemos com a ideia de uma responsabilidade objetiva, a qual tem sua natureza jurídica primordial no Princípio do Poluidor Pagador, este último sacramentado em definitivo pelo citado artigo 225 da Constituição Federal, ou seja, casou o dano, deverá reparar independentemente de culpa.

     Importante destacar que, o referido parágrafo único, ao estabelecer o dever de indenizar impõe que não só os danos causados ao meio ambiente deverão ser reparados, mas também os terceiros que sofrerem danos em decorrência do dano ambiental praticado – Direitos Metaindividuais.

     Por fim, em se tratando da responsabilidade civil pelo dano ambiental, consta do artigo 3º, inciso IV da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, a previsão de solidariedade entre os causadores do dano ambiental, ainda que parte deles tenha atuado indiretamente, ou seja, basta que a pessoa, física ou jurídica, faça parte da cadeia que causou o dano, não precisando ter atuação direta.

     Ante o exposto, podemos identificar os seguintes atributos da responsabilidade civil pelo dano ambiental: (a) é objetiva; (b) o dever de reparar alcançará tanto o prejuízo causado ao meio ambiente, como o prejuízo causado aos terceiros; e (c) sempre haverá a solidariedade entre os causadores do dano ambiental, ainda que parte destes tenham atuado indiretamente.

Conclusão

     De acordo com todos os conceitos trazidos ao longo deste artigo, concluímos pela possibilidade dos sócios de uma sociedade empresária responderem pelos danos ambientais causados por tal sociedade, sendo que tal situação poderá ocorrer em três hipóteses distintas, as quais dispomos a seguir.

     Na primeira delas, imagine que a B e C Resíduos Ltda., que tem como sócios B e C, foi constituída por estes últimos para transportar resíduos sólidos oriundos da construção civil, sendo que de acordo com a legislação, tais resíduos sólidos devem ser direcionados para aterros especificamente abertos para este fim. Entretanto, B e C, tendo conhecimento de como é dispendiosa a utilização de tais aterros, resolvem despejar os entulhos em terreno alheio, situado à beira da estrada. Ademais, sabendo da possibilidade de responsabilização ambiental por tal prática, B e C adquirem todos os equipamentos necessários para pratica das atividades da sociedade mediante leasing, visando privar a sociedade de qualquer patrimônio, bem como transferem todo e qualquer valor recebido pela sociedade diretamente para suas contas pessoais. Neste caso, fica evidente a utilização abusiva da figura da pessoa jurídica da sociedade, nos termos descritos no artigo 50 do código civil. Dessa forma, independentemente da apuração das responsabilidades pessoais de B e C pelos danos cometidos, bem como da existência de patrimônio da sociedade, poderá o juiz determinar a responsabilização de B e C em decorrência dos atos lesivos ao meio ambiente praticados por B e C Resíduos Ltda., bem como para a reparação dos danos sofridos pelo proprietário do terreno.

     Como segunda hipótese, utilizamos o seguinte exemplo: A, B e C Transporte Marítimo Ltda. contraiu obrigação de transportar uma carga de produtos químicos, sendo que em decorrência de problemas mecânicos de natureza desconhecia naufraga durante o transporte de tal carga, causando severos danos ao ecossistema da região, em especial extinguindo a vida marítima. Importante ressaltar que nas proximidades existe uma aldeia de pescadores, os quais praticavam tal atividade visando a sua subsistência.

     Neste caso, independentemente da apuração da culpa de A, B e C Transporte Marítimo Ltda., esta deverá reparar todos os danos causados ao meio ambiente (ecossistema), assim como garantir a subsistência da vila dos pescadores e indenizar estes na medida da apuração do dano sofrido. Dado o dano causado, podemos perceber que a indenização a ser paga alcançará valores bem expressivos, razão pela qual caso seja verificado que A, B e C Transporte Marítimo Ltda. não tenham patrimônio suficiente para honrar com as reparações necessárias, poderão, com base no artigo 4º da Lei 9.605/98, os sócios de tal sociedade serem chamados a responder com seu patrimônio pelos danos causados, subsidiariamente à Sociedade. Dois pontos são importantes no caso em tela: o primeiro a estipulação da necessidade da reparação, levando em consideração a teoria das obrigações não negociais – ato ilícito; e o segundo a subsidiariedade dos sócios, uma vez que estes somente respondem caso seja verificado a incapacidade da sociedade de solver as próprias obrigações.

     Como terceira e última hipótese, utilizemos o último exemplo, porém com duas diferenças: a sociedade tem patrimônio suficiente para arcar com prejuízo; e o sócio B, diferentemente dos demais, estava vinculado aos atos praticados pela sociedade, na qualidade de sócio administrador, tendo participado ativamente da tomada das decisões que levaram ao naufrágio da embarcação. Este caso não se trata de responsabilizar o sócio em decorrência da responsabilidade da sociedade, mas sim de sua responsabilização frente ao que determina o artigo 3, inciso IV da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, uma vez que de acordo com tal dispositivo o poluidor é considerado como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”. Neste caso, o sócio poderá compor o polo passivo da ação que buscar a reparação do dano, sendo que na prática tem se verificado a ideia de buscar a satisfação do prejuízo junto àqueles que possuem a melhor capacidade de repará-los.